‘Capítulo 73 – Sangue e tinta’
“Na TEOFANIA, Teccam escreve sobre os segredos,
chamando-os de dolorosos tesouros da mente. Explica que aquilo em que a maioria
das pessoas pensa como segredo, na verdade, não é nada disso. Os mistérios, por
exemplo, não são segredos. Nem o são os fatos pouco conhecidos ou as verdades
esquecidas. Segredo, explica Teccam, é um conhecimento verdadeiro que é
intencionalmente ocultado.
Os filósofos discutem há séculos os pormenores dessa
definição. Assinalam os problemas lógicos que existem nela, as lacunas, as
exceções. Em todo esse tempo, entretanto, nenhum deles conseguiu chegar a uma
definição melhor. O que talvez diga mais do que todos os sofismas combinados.
Num capítulo posterior, menos debatido e menos
conhecido, Teccnam explica que há dois tipos de segredos: os da boca e os do
coração.
A maioria deles é da boca. Boatos compartilhados e
pequenos escândalos sussurrados. Há segredos que anseiam por se largar no
mundo. Um segredo da boca é como uma pedra na bota. No começo, mal se tem
consciência dela.
Depois, torna-se irritante e, mais tarde, intolerável.
Os segredos da boca vão crescendo à medida que são guardados, inchando até
pressionar os lábios. Lutam para se soltar.
Os segredos do coração são diferentes. São privados e
dolorosos e não há nada que se deseja mais do que escondê-los do mundo. Eles
não inflam nem pressionam a boca. Vivem no coração e, quanto mais são
guardados, mais pesados se tornam.
Diz Teccam que é melhor ter a boca cheia de veneno que
um segredo no coração. Qualquer idiota é capaz de cuspir o veneno, diz ele, mas
nós guardamos esses tesouros dolorosos. Engolimos em seco todos os dias para
contê-los, empurrando-os para baixo, para nossas entranhas mais recônditas. Lá
eles permanecem, ganhando peso, supurando. Como tempo, não há nada como
deixarem de esmagar o coração que os contém.
Os filósofos modernos desdenham de Teccam, mas são
abutres bicando os ossos de um gigante. Discuta-se quanto se quiser, Teccam
compreendia o que é a vida.”
Mais uma versão dos nossos mundos.