domingo, 15 de novembro de 2015

São só mais concepções.

‘Capítulo 73 – Sangue e tinta’


“Na TEOFANIA, Teccam escreve sobre os segredos, chamando-os de dolorosos tesouros da mente. Explica que aquilo em que a maioria das pessoas pensa como segredo, na verdade, não é nada disso. Os mistérios, por exemplo, não são segredos. Nem o são os fatos pouco conhecidos ou as verdades esquecidas. Segredo, explica Teccam, é um conhecimento verdadeiro que é intencionalmente ocultado.

Os filósofos discutem há séculos os pormenores dessa definição. Assinalam os problemas lógicos que existem nela, as lacunas, as exceções. Em todo esse tempo, entretanto, nenhum deles conseguiu chegar a uma definição melhor. O que talvez diga mais do que todos os sofismas combinados.
Num capítulo posterior, menos debatido e menos conhecido, Teccnam explica que há dois tipos de segredos: os da boca e os do coração.

A maioria deles é da boca. Boatos compartilhados e pequenos escândalos sussurrados. Há segredos que anseiam por se largar no mundo. Um segredo da boca é como uma pedra na bota. No começo, mal se tem consciência dela.

Depois, torna-se irritante e, mais tarde, intolerável. Os segredos da boca vão crescendo à medida que são guardados, inchando até pressionar os lábios. Lutam para se soltar.
Os segredos do coração são diferentes. São privados e dolorosos e não há nada que se deseja mais do que escondê-los do mundo. Eles não inflam nem pressionam a boca. Vivem no coração e, quanto mais são guardados, mais pesados se tornam.

Diz Teccam que é melhor ter a boca cheia de veneno que um segredo no coração. Qualquer idiota é capaz de cuspir o veneno, diz ele, mas nós guardamos esses tesouros dolorosos. Engolimos em seco todos os dias para contê-los, empurrando-os para baixo, para nossas entranhas mais recônditas. Lá eles permanecem, ganhando peso, supurando. Como tempo, não há nada como deixarem de esmagar o coração que os contém.


Os filósofos modernos desdenham de Teccam, mas são abutres bicando os ossos de um gigante. Discuta-se quanto se quiser, Teccam compreendia o que é a vida.”

Mais uma versão dos nossos mundos.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015